"Há palavras que nos beijam" (Alexandre O'Neill), que nos tocam que nos marcam, que nos transformam...

Textos, pretextos e contextos pretende ser um blogue de palavras...palavras sentidas, vividas ou, apenas, ditas. Pretende, também, ser um blogue de transformações...em mim e em quem o lê. Como dizia Fernando Pessoa, "Sentir? Sinta quem lê!"

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Actuação escrita

Pode-se escrever

Pode-se escrever sem ortografia
Pode-se escrever sem sintaxe
Pode-se escrever sem português
Pode-se escrever numa língua
[sem saber essa língua
Pode-se escrever sem saber escrever
Pode-se pegar na caneta sem haver escrita
Pode-se pegar na escrita sem haver caneta
Pode-se pegar na caneta sem haver caneta
Pode-se escrever sem caneta
Pode-se sem caneta escrever caneta
Pode-se sem escrever escrever plume
Pode-se escrever sem escrever
Pode-se escrever sem sabermos nada
Pode-se escrever nada sem sabermos
Pode-se escrever sabermos sem nada
Pode-se escrever nada
Pode-se escrever com nada
Pode-se escrever sem nada

Pode-se não escrever
Pedro Oom

sábado, 17 de novembro de 2007

Lançamento

Hoje, pelas 16horas, no Grémio Lisbonense:

domingo, 11 de novembro de 2007

Castidade

O perdido caminho, a perdida estrela
que ficou lá longe, que ficou no alto,
surgiu novamente, brilhou novamente
como o caminho único, a solitária estrela.

Não me arrependo do pecado triste
que sujou minha carne, suja toda carne.
O caminho é tão claro, a estrela tão larga,
os dois brilham tanto que me apago neles.

Mas certamente pecarei de novo
(a estrela cala-se, o caminho perde-se)
pecarei com humildade, serei vil e pobre,
terei pena de mim e me perdoarei.

De novo a estrela brilhará, mostrando
o perdido caminho da perdida inocência.
E eu irei pequenino, irei luminoso
conversando anjos que ninguém conversa.

Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Porque vale a pena conhecer II

Porque vale a pena conhecer a revista literária Callema.

Publicação Semestral
número 02/Maio 2007



Uma poética no Sótão

No meio de coisas velhas procuro o que
é novo. Em cada fim vejo um princípio;
e todos os cacos se voltam a colar,
mesmo quando faltam pedaços, ou não
se sabe a que parte pertence a outra.

É assim com o poema: faço-o com as
palavras velhas, as que estão cheias de
bolor, as que foram atiradas para um canto
do dicionário. Algumas, não sei o que
querem dizer; outras, disseram tantas vezes
o mesmo que já perdi o sentido do que
dizem. Mas quando as colo, no verso,
o que ouço tem sempre um outro sentido.

Este poema, por exemplo, não tem
nada de novo. As palavras são fáceis,
os sentidos são óbvios. E é por isso
que ando, no meio dele, à procura de
coisas novas; e ao chegar ao fim,
vejo um princípio, e sei que tudo se volta
a colar, como se nada aqui faltasse.


Nuno Júdice

Acordar

As sombras não se transformam em luz quando
o dia nasce, só porque o dia nasce. A noite cola-se-nos
aos olhos, e o que temos pela frente é
um campo onde secaram os passos dos que partiram,
sem deixar uma palavra de despedida.

Para além deste céu onde um vento passado
estagnou, recorro a um quadro sem moldura
nem imagem. Tenho-o dentro de mim, pendurado
num prego de acaso, e o tempo fá-lo andar
de um lado para o outro, sem me deixar fixá-lo.

Mas o que vejo, entre a sombra e o quadro vazio,
tem a lógica luminosa da vida que não pára. Por
vezes, é assim: a noite abraça-nos como se nos quisesse
prender ao seu mundo; depois, a Terra recomeça
o seu curso, E é como se esta rotação sem rumo
nos quisesse dizer que somos mais do que pó,
que temos na alma um resto que sobrou do nada inicial,
e que o pensamento corre em direcção à eternidade.

Nuno Júdice