"Há palavras que nos beijam" (Alexandre O'Neill), que nos tocam que nos marcam, que nos transformam...

Textos, pretextos e contextos pretende ser um blogue de palavras...palavras sentidas, vividas ou, apenas, ditas. Pretende, também, ser um blogue de transformações...em mim e em quem o lê. Como dizia Fernando Pessoa, "Sentir? Sinta quem lê!"

domingo, 17 de outubro de 2010

Nós

Tentei escrever sobre ti,
mas o que tinha para dizer era tão pouco
que as palavras se recusaram a trabalhar.
Queria escrever sobre mim,
mas o que tinha para dizer era tanto
que as palavras se cansaram antes de começar.
Tentei escrever sobre nós,
mas não havia nada para dizer
e as palavras sentiram-se magoadas por terem perdido a utilidade.
Então respirei fundo,
chamei o Eu, o Tu e o Nós
e, sentados numa mesa de café,
discutimos o futuro.
Queria encontrar uma solução
para as palavras preguiçosas, cansadas e magoadas.
Porém, as conclusões foram vagas.
O Nós nada quis com o Eu e o Tu
e, por isso, encerrei as palavras não ditas
numa caixa de recordações.
Se não ganharem humidade,
talvez um dia as tire,
para que possam contar
Tudo o que ficou por escrever,.

Controlar o mundo

Através de um lápis por afiar
escrevo estas linhas
que me sufocam a garganta
numa força desmedida e temida.
O meu destino saltou-se das mãos
e não controlo os impulsos de vontades alheias.
Queria poder controlar o mundo
mas ele teima em ferir-me com as suas escolhas.
Sangro por dentro e as feridas aparecem à superfície,
incuráveis e intratáveis.
Mesmo que a esperança me traga algum conforto
As cicatrizes não desaparecerão
com o deslizar da areia da ampulheta
que trago sempre comigo no bolso.
O tempo escorre pelos tempos
mas as marcas permanecem
entre os grãos, as mãos, entre...
Fechei os olhos e consegui ver-me
sem as marcas das feridas
e sem o sangue derramado das chagas incuráveis.
Pura e branca se encontra a minha pele e a minha alma.
Abri os olhos e vi-te apontar-me o dedo.
Queres que conheça bem o que não quero ver,
mesmo que eu insista em desviar o olhar,
mesmo que eu mude de assunto,
mesmo que eu...
mesmo que eu queira afiar o lápis.

Maio 2010